Galileo

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Julia A. Borges - publicado em 20/08/23

 

Na Idade Média, a religião não era uma realidade privada, como encara hoje a modernidade, e a figura do rei não era considerada a mais forte. Entenda aqui:

 

É sabido que ser cristão no século XXI é experienciar a piracema diária, é ir contra ao pensamento mundano que não prega verdades, apenas propõe novas ideologias. Mas é necessário assumir esse desafio de defender a fé católica, mesmo que, inevitavelmente, seja comum confrontar-se com o tema da Inquisição, assunto que todo o interlocutor e apto a incitar o catolicismo irá expor em uma conversa ou debate. Quer sejam marxistas, liberais, protestantes ou mesmo ateus, todos, em algum momento, irão acusar a Igreja com essa página complexa de sua existência. Mas e você? Estaria pronto a defender tantas acusações? O Padre Paulo Ricardo revelou com forte precisão e franqueza, em seu site, alguns pontos deste tema tão controverso, desde o contexto em que surgiu a Inquisição, o seu desenvolvimento histórico, a sua atuação tanto na Espanha quanto em Roma, ao que verdadeiramente há por trás de casos como o de Galileu Galilei.

A palavra Inquisição vem do termo latino inquisitio, que quer dizer “investigação”. Trata-se de uma instituição da Igreja Católica, criada para julgar os próprios católicos suspeitos de pecados contra a fé. A Inquisição funcionou como uma espécie de remédio para o “sistema imunológico” da Igreja. Vale ressaltar que o termo remédio advém do grego pharmacon e que possui duas linhas de entendimento: veneno ou remédio, ou seja, tudo dependerá da dosagem.

Vale acrescentar aqui que muito do que se segue foi retirado do referido site. Retomando ao assunto, antes mesmo que os tribunais inquisitórios fossem instaurados, a Igreja passou por uma situação bem complicada, já que começaram a interpretar até mesmo os membros de seu corpo como inimigos e acabava destruindo-os por engano. Tal situação resultou quase que em um colapso da sociedade e pessoas acabaram pagando o preço por isso. Então, em sua sabedoria, a Igreja decidiu criar uma instituição para deter e controlar esse fenômeno social. Isso não justifica todas as arbitrariedades cometidas nessa época, nem canoniza todas as pessoas envolvidas nos julgamentos da Inquisição. Importa reconhecer que, embora tenha sido boa para deter a violência e cumprir com a justiça, muitos abusos ocorreram durante a existência da Inquisição. A própria Igreja levou um tempo para descobrir qual era o melhor método para lidar com os hereges.

Na Idade Média, a religião não era uma realidade privada, como encara hoje a modernidade, e a figura do rei não era considerada a mais forte. O que unia as pessoas não era um Estado absoluto, nem o idioma que falavam – já que ainda não existia unidade linguística –, mas a sua identidade religiosa. A fé católica era, pois, a força constitutiva da unidade social, e justamente nesse ambiente profundamente religioso que surge a chamada heresia cátara. As consequências das práticas da doutrina cátara eram terríveis: com a baixa taxa de natalidade e morte precoce dos “puros”, a população na Europa começou a diminuir drasticamente. Estatisticamente falando, é sabido, pelas fontes primárias, que morreram muito mais pessoas vítimas da endura que das fogueiras da Inquisição. 

O caso Galileu

 
 

O processo que julgou Galileu Galilei foi o mais famoso de toda a história da Inquisição, de tal modo que São João Paulo II pediu que uma comissão interdisciplinar fizesse um estudo aprofundado sobre a questão, analisando as controvérsias exegéticas, teológicas e científicas por trás do seu caso. No fim, essa comissão chegou às conclusões que seguem:

Primeiro, Galileu realmente defendeu o heliocentrismo de Copérnico, mas não apresentou nenhuma prova científica que respaldasse o seu sistema. Para sustentá-lo, ele recorria ao fenômeno das marés, que, na verdade, não tinha nada que ver com o movimento do planeta, senão com a gravitação da Lua ao redor da Terra. O argumento definitivo que comprovou a teoria heliocêntrica – pelo menos em sua afirmação de que a Terra girava em torno do Sol – só surgiu 150 anos depois de Galileu.

 

Diante da obstinação do astrônomo em defender como certo o que não passava de teoria, os seus oponentes entregaram-no ao Santo Ofício. Vale destacar também que a posição de Galileu criava problemas com a interpretação das Escrituras (questão pungente durante os anos pós-Reforma): a Igreja entendia, a partir de uma passagem do livro de Josué (10, 13), que diz que “o sol se deteve”, que era o Sol que se movimentava ao redor da Terra. Como não havia respaldo científico para as afirmações de Galileu, então, ele permaneceu em silêncio.

Quando, porém, um amigo seu, Cardeal Barberini assumiu o sólio pontifício, com o nome de Urbano VIII, Galileu começou novamente a propagar as suas ideias. Desta vez, nem uma advertência do Papa fez com que ele se calasse. No livro “Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo”, de 1632, ele assinou a sua sentença. O astrônomo colocava na boca de Simplício, a personagem mais idiota da obra, a tese do Papa Urbano VIII, a saber: a de que o heliocentrismo não passava de uma teoria. Denunciado novamente à Inquisição, Galileu foi julgado por São Roberto Belarmino, que pôs um fim à história. O cardeal deixava bem claro que, enquanto não fossem mostradas provas contundentes da teoria heliocêntrica, era melhor que fosse tratada como simples hipótese, já que criava um aparente problema com a exegese de alguns trechos bíblicos. Para o santo, estava bem claro que a fé e a ciência não se podem contradizer, já que o Deus que Se revela nas Sagradas Escrituras é o mesmo que Se revela nas verdades acessíveis pela luz da razão. Enquanto não houvesse respaldo para a teoria de Galileu, porém, era melhor que ele deixasse de difundi-la.

Ainda que a contragosto, então, Galileu permaneceu em silêncio e foi condenado ao cárcere domiciliar, até o fim da vida. Ao contrário do que dizem muitos, o físico não foi queimado na fogueira. Uma tese recente joga uma nova luz no caso Galileu, sustentando que a sua adesão ao heliocentrismo foi, na verdade, a mais branda das acusações que pesavam contra ele. O fato de o astrônomo insinuar que as qualidades dos objetos estavam antes no sujeito que conhece que nos objetos propriamente ditos, parecia, a muitos teólogos, um problema para o dogma da transubstanciação. Uma controvérsia nessa seara seria muito pior para Galileu. Responder somente à acusação de copernicanismo foi, portanto, a opção de Urbano VIII para “poupar” Galileu de uma retaliação mais severa por parte da Igreja.

A lenda negra da Inquisição

No século XIX, a visão popular da Inquisição já era bem diferente. Uma novela gótica intitulada The Monk, de autoria de Matthew Gregory, dava conta de um interrogatório inquisitorial tenebroso, que acontecia dentro de uma sala escura, com cortinas cerradas, homens encapuzados, velas acesas, instrumentos de tortura à mostra e, ao fundo, um grande crucifixo. E, embora nada disso correspondesse de fato à verdade histórica, foi a imagem que predominou por muito tempo a respeito dos tribunais do Santo Ofício.

O mito da Inquisição surgiu com o protestantismo. No afã de dar uma origem mais antiga à sua recém-inventada religião, Martinho Lutero, João Calvino e os reformadores protestantes subsequentes começaram a recontar a história do cristianismo. Nessa nova leitura dos acontecimentos, o Império Romano teria aparelhado a religião dos primeiros Apóstolos, fazendo da Igreja de Roma o braço direito do Imperador, que matava e perseguia os verdadeiros cristãos. 

A história do Santo Ofício – bem como de toda a era medieval – mostra como não é possível governar um povo sem Deus. Quando Ele é destronado, funda-se a religião do próprio homem, que passa a ser a medida de todas as coisas. Em termos práticos, portanto, não há “Estado laico”. Tirado Deus do centro de gravidade, é o ser humano quem assume o seu lugar, institucionalizando a idolatria de si próprio. A Igreja Católica não advoga que a religião deva ser imposta pelo Estado a toda a população. Ela tem consciência de que “crer é ato da vontade” e de que não se pode obrigar ninguém a aceitar a fé pelo uso da força.

O que se conclui é que a Inquisição não é necessária por si mesma, mas tornou-se fundamental, em seu tempo, para conter a ingerência do poder estatal sobre assuntos religiosos. Absolutamente necessário, ao invés, é que o Evangelho reine nos corações, para que, então, Nosso Senhor Jesus Cristo possa reinar na sociedade, nos Estados e na assembleia das nações. A Igreja Católica não quer o poder político, porque sua missão fundamental da Esposa de Cristo é salvar as almas, converter os espíritos dos governantes e torná-los pessoas tementes a Deus. Foi assim que ela construiu a Civilização Ocidental – e é também esse o caminho para restaurá-la.

 

fonte: Aleteia